Senado do Uruguai aprova lei que descriminaliza o aborto
Após votação positiva também na Câmara dos Deputados, o presidente José Mujica afirma que não pretende vetar o projeto
Nesta quarta-feira, o Senado uruguaio aprovou a descriminalização do aborto até o primeiro trimestre de gestação. A lei determina que mulheres (apenas cidadãs uruguaias) que queiram pôr fim à gravidez nesse período sejam submetidas a um comitê formado por ginecologistas, psicólogos e assistentes sociais, que lhe informarão sobre riscos e alternativas ao aborto.
Manifestantes protestam na frente do Senado uruguaio contra o projeto que descriminaliza o aborto |
O presidente José Mujica disse recentemente à BBC que não pretende vetar o projeto, já aprovado na Câmara dos Deputados no final de setembro. Para Mujica, a despenalização permitirá "salvar mais vidas", ao restringir a prática de abortos clandestinos.
Se a mulher desejar prosseguir com o aborto mesmo depois das consultas com médicos, poderá realizá-lo imediatamente em centros públicos ou privados de saúde. Abortos que não sigam esses procedimentos continuarão sendo ilegais. Também é permitido o aborto em casos de riscos à saúde da mulher, de estupros ou de má-formação fetal que seja incompatível com a vida extrauterina, até 14 semanas de gestação.
Maconha
Caso seja aprovado também o projeto que legaliza a maconha, o Uruguai passa a ser uma exceção nos dois controversos temas e confirma uma tradição liberal cultivada desde o início do século 20 - o país, de Estado laico desde 1917, foi pioneiro regional ao permitir o divórcio de iniciativa da mulher (em 1913) e o voto feminino (decidido em plebiscito em 1927).
"A ideia geral de que o Uruguai é um país mais liberal que o resto da região é provavelmente correta", diz à BBC Ignacio Zuasnabar, diretor da empresa uruguaia de pesquisas Equipos.
Droga x narcotráfico
O presidente Mujica - ex-guerrilheiro tupamaro que está no poder desde 2009 -, além de defender a despenalização do aborto, foi o impulsor do projeto que quer criar no Uruguai um monopólio estatal de produção e venda de maconha.
Seu argumento é de que isso permitiria que os consumidores da cannabis deixassem de lidar com traficantes e de receber ofertas de drogas mais pesadas. Para Mujica, também se reduziria a violência relacionada ao tráfico e à criminalidade.
"A droga não nos preocupa tanto.O preocupante é o narcotráfico", disse o presidente. Essa proposta rendeu ao esquerdista Mujica improváveis elogios vindo de liberais como o escritor peruano Mario Vargas Llosa, alinhado à direita.
"Quem teria imaginado que, sob um governo da Frente Ampla (coalização de Mujica), que parecia tão radical, um presidente que foi guerrilheiro, (o Uruguai) é novamente um modelo de legalidade, liberdade, progresso e criatividade, um exemplo que os demais países latino-americanos deveriam seguir", escreveu Vargas Llosa no jornal espanhol El País.
Medidas liberais e conservadoras
Mas quão liberal é, atualmente, a sociedade uruguaia?
Ativista participa de manifestação em frente ao Congresso do Uruguai, que aprovou a legalização do aborto no país (25/09) |
Segundo Zuasnabar, pesquisas mostram que a maioria dos uruguaios tende a apoiar a despenalização do aborto, mas esse apoio varia conforme as circunstâncias. Muitos defendem a prática em casos de má-formação fetal, estupro e riscos de vida para a mãe; o apoio é menor em casos de aborto por vontade da gestante.
As pesquisas também apontam que mais da metade da população se opõe em princípio ao projeto de legalização da maconha, provavelmente, segundo Zuasnabar, porque as pessoas "associam o consumo de drogas à delinquência".
O aumento da criminalidade se tornou um importante tema de debate no país, e a população teme estar perdendo a calma e a segurança que diferenciam o país do restante do continente.
Para responder a esses anseios, o governo propôs ao Congresso, junto com a lei da maconha, medidas bastante discutíveis do ponto de vista liberal - por exemplo, a internação forçada de viciados em cocaína e penas equivalentes às de homicídio para traficantes da droga.
Recorrendo novamente às pesquisas, muitos uruguaios parecem concordar mais com essas medidas "linha-dura" do que com a estatização da produção de maconha.
Recente levantamento da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade da República apontam que a metade da população (49,8%) aprova que a polícia realize procedimentos fora dos padrões legais. E os partidos de oposição Colorado e Nacional juntaram neste ano 350 mil assinaturas para viabilizar, em 2014, uma consulta popular a respeito da redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos.
Casamento gay
Ao mesmo tempo, grupos homossexuais ainda pedem a aprovação de leis que permitam o casamento gay, apesar de o país ter sido o primeiro latino-americano a legalizar a união civil entre pessoas do mesmo sexo.
Em contraste, a Argentina já aprovou o casamento homossexual em lei de 2010 e neste ano sancionou lei que permite aos transexuais e travestis escolher que gênero querem ter em seus documentos de identidade.
Daniel Vidart, conhecido antropólogo uruguaio e autor de um livro recente sobre a identidade do país, diz à BBC que o Uruguai tem uma tradição de tolerância e liberalismo social que convive com uma "retranca conservadora".
Fonte: BBC
Gilv@n Vi@n@
Nenhum comentário:
Postar um comentário