Bom na prática? Péssimo na teoria
Há uma tese defendida por
alguns setores da esquerda de que o grande desafio desses tempos de
pós-política é o de se construir um "capitalismo de face humana".
Essa ideia, que parece ter se disseminado após a queda do muro de Berlim,
ofereceu à esquerda uma justificativa de existência e à direita uma ferramenta
poderosa que consolidou de vez sua vitória na batalha ideológica do século XX.
Hoje, é mais fácil para um
militante de esquerda, contaminado por um masoquismo que ainda necessita ser
psicanalisado, imaginar o colapso ambiental da civilização, a destruição da
vida na Terra pela queda de um asteroide gigante, uma invasão de alienígenas
antropófagos, um ataque de zumbis mortos vivos em shoppings ou mesmo um tsumani
avassalador varrendo os grandes centros do capitalismo financeiro global a se
pensar ser viável uma simples e corriqueira revoluçãozinha proletária.
A esquerda assumiu o
discurso da direita na medida em que absorveu a ideia de que não é possível
mudar estruturalmente o sistema, mas apenas fazer um ajustezinho ali e outro
acolá para torná-lo mais jeitosinho, mais bem feitinho de corpo. Essa postura,
de uma esquerda domesticada e pragmática, foi o tônico usado pelo PT para consolidar
a eleição de Lula em 2002. Era preciso mostrar que o PT estava ajustado ao
discurso da esquerda pós-moderna e que não iria se aventurar a causar grandes
transformações estruturais no sistema econômico.
O bordão: "vamos mudar
esse país" que agitava as massas petistas no período de FHC não poderia
ser outra coisa se não um aprofundamento, um ajuste de navegação na
modernização e atualização do capitalismo brasileiro. O máximo que o PT poderia
propor era uma mudança aqui e acolá em certas políticas sociais, uma reforminha
aqui, outra ali na legislação, ou mesmo um aprofundamento do combate cultural
pelos direitos das minorias étnicas, pela igualdade racial e de gênero (que não
toca no cerne das contradições objetivas do sistema econômico). Por isso, o choque
que tomou conta de muita gente com a divulgação da foto de Lula nos jardins da
casa de Maluf é um choque simbólico. A evidência, para o mundo da consciência,
de uma verdade recalcada que parecia ser negada pela psicologia política da
militância.
O argumento pragmático de
que a aliança era importante para derrotar os tucanos em São Paulo é tão
ingênuo que às vezes soa como se fosse real. Não é possível que essa desculpa
seja ideológica (uma estratégia retórica para desviar a percepção de um dado objeto).
Ela é tão boba que não pode ter sido pensada com o intuito de nos enganar, por
isso precisamos aceita-la para mantermos nosso recalque e nossa inconsciência
diante do real que a imagem nos mostra. Mas o real daquela imagem
ainda sim, mesmo com todo discurso de negação da militância, nos incomoda. Ela
contém a evidencia de que a aliança entre PT-Maluf não é um erro, um desvio,
mas a consequência inevitável e natural da esquerda possível que o PT
representa.
Hoje, o confronto contra os
DEMO-tucanos serve para encobrir o desinteresse da esquerda petista (se é que a
gente ainda pode usar esse termo) em enfrentar as contradições estruturais da
sociedade brasileira. Assim, é preciso inventar outra contradição para manter
certo aspecto dialético por ser no confronto político tupiniquim. Por isso a
aliança PT-Maluf talvez até tenha sido boa na prática da politiquinha eleitoral
brasileira, mas na teoria ela é um desastre. Isso porque, por mais que se
resista em verbalizar seu conteúdo recalcado ela não consegue mostrar como
advogam alguns que, em tempo de pós-politica, tudo é permitido. O que ela
simbolicamente nos aponta, mesmo que não queiramos admitir, é que a esquerda possível
é em última análise, a direita viável.
POR Pablo Capistrano
Escritor
e Professor de Filosofia do IFRN
Gilv@n Vi@n@
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