"Novas gerações estão mostrando sua cara", diz sociólogo
Especialistas ouvidos pelo iG apontam causas diversas, como inflação, qualidade do transporte e política urbana, para as mobilizações em várias cidades do País
As manifestações das últimas semanas nas principais cidades do País e
até no exterior romperam um jejum de mais de 20 anos sem protestos que
levassem milhões às ruas - o último de grandes proporções foi o dos
caras pintadas do Fora Collor, em 1992. O endurecimento da repressão
policial e a falta de diálogo do Estado também contribuíram para as
mobilizações e fizeram com que a bandeira pela redução da tarifa de
ônibus se juntasse a outras causas como combate à corrupção, críticas às
políticas urbanas e ao modelo de desenvolvimento econômico, inflação e
violência policial.
Para Luiz Werneck Vianna, sociólogo e professor da
PUC-Rio, este é um momento histórico, de uma importância “excepcional”.
“As novas gerações estão vindo às ruas, estão se apresentando e
mostrando a sua cara. Com isso, a apatia em que o País está mergulhado
cede”, avalia.
Para ele, os governos precisam aprender a negociar com
essas manifestações, que são sem líderes e dispersas, e que o mote
principal dos protestos não se limita à amplitude das bandeiras. “Não é o
preço da passagem em si, e ela não é diretamente política, já que não
está orientada a se contrapor a nenhum partido. Elas exigem
reconhecimento e participação na vida política e na vida pública”,
afirma Werneck.
O cientista político Cláudio Couto, professor da Fundação
Getúlio Vargas (FGV), diz que é preciso tomar cuidado para dizer que os
protestos, no caso das passagens, não são apenas contra o aumento da
tarifa. Ele afirma que, por causa da diversidade dos movimentos que
organizam o evento, e da convocação muito descentralizada, há uma
“aglutinação” de muitos grupos que se unem ao protesto “menos pela
reivindicação, mas mais pela mobilização em si”.
“Eu entendo que a discussão é mais ampla sobre o problema geral do
custo do transporte, mas é difícil imputar aos líderes um objetivo que
eles não chamam para si”, diz Couto, que afirma que a manifestação é
política, porque toda manifestação tem um caráter político, mas discorda
que ela seja instrumentalizada. “O grupo é tão diverso que, mesmo que
ele tenha elementos que participam de partidos, não tem nem como
identificar”, diz.
Os analistas divergem quando perguntados se o estopim das
mobilizações teria como causa o aumento da inflação. David Fleischer,
professor de ciência política na Universidade de Brasília (UnB), diz que
a adesão de dezenas de milhares de pessoas se deve ao pano de fundo do
aumento da inflação, que deixou a população descontente e permitiu a
mobilização de um número maior de pessoas. “O movimento escolheu um
momento em que o mundo está de olho, por causa da Copa das
Confederações. Foi um oportunismo. Provavelmente, acabe daqui a duas
semanas, como o campeonato.” Para ele, as manifestações devem voltar na
Copa do Mundo. “Aí, com ano de eleição, os protestos devem ser maiores
ainda”.
Para o professor de economia da Unicamp Júlio Gomes de
Almeida, o protesto é uma insatisfação com a vida urbana, que tem sido
cada vez mais difícil, e que tem como ponto principal a mobilidade
urbana. “É a análise do custo benefício na área de transporte, que é
ruim. Se paga, e não se paga pouco. E, do outro lado, o que se recebe
são duas horas presos no trânsito”, diz Almeida.
O economista acredita que o aumento da inflação é muito
recente e não influenciou na confiança do brasileiro, segundo pesquisas
recentes do Instituto de Pesquisas Avançadas (IPEA) e da FGV, que segue
em alta em relação à economia brasileira. “A nossa população vê bem a
sua vida, o que causa perplexidade muitas vezes (em economistas) é que o
Brasil está crescendo tão pouco há três anos, mas o grau de satisfação é
bom”, diz.
Para Couto, a inflação também não seria o verdadeiro
motivo para o povo ir às ruas. “O reajuste do preço da passagem, que
deflagrou o movimento, ocorre por causa da inflação, então em última
instância pode ser. Mas responsabilizar a inflação me parece um
equívoco.”
'Oportunista'
Fleischer alerta, no entanto, para o foco anárquico e
oportunista dos protestos. “Não tem liderança no sentido de unidade”,
diz ele, citando que a polícia teria negociado um percurso com supostos
líderes e o movimento tomou outro caminho na quinta-feira em São Paulo,
quando foram duramente repreendidos pela PM.
Já na avaliação do professor Werneck Vianna, é impossível
impor freios a movimentos que protestam contra as obras da Copa. “As
pessoas veem estampados os gastos sinuosos da Copa do Mundo, e uma
remodelação das políticas esportivas por recomendações externas, como da
Fifa, e gera mais insatisfação”, diz.
Gilv@n Vi@n@
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