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31 maio, 2013

Padres e freiras dos EUA criam grupo contra abuso sexual na Igreja

'Denunciantes católicos' querem incentivar vítimas e testemunhas a romper isolamento e relatar novos casos

O padre americano Bruce Teague incentiva vítimas
de abuso sexual na Igreja a relatar seus casos
Durante mais de 30 anos, o padre americano Bruce Teague suportou o peso de um segredo nunca revelado: o de que, aos nove anos de idade, quando era coroinha, foi abusado sexualmente por um padre de sua paróquia, no Estado de Massachusetts. Hoje, aos 65 anos, Teague usa sua experiência para ajudar outros sobreviventes desse tipo de crime.
Ele é um dos membros de um recém-criado grupo de padres e freiras dos EUA que se uniram para denunciar os abusos que continuam ocorrendo dentro da Igreja Católica e incentivar que vítimas e testemunhas rompam o isolamento e venham a público relatar novos casos.
Batizado de Catholic Whistleblowers ("denunciantes católicos", em tradução livre), o grupo surgiu informalmente no ano passado e tornou sua campanha pública neste mês, em uma entrevista coletiva em Nova York.
"Muitos de nós relatamos casos de abuso sexual para autoridades civis ou da Igreja, e todos nós lutamos para expor o acobertamento dos abusos por parte da liderança da Igreja. Nós sabemos como é difícil falar sobre essa questão e nos apoiamos uns aos outros nesse esforço", diz o site do grupo.
No mês passado, enviaram uma carta ao papa Francisco com seis recomendações para "restaurar a confiança dos fiéis", entre elas "tolerância zero" para membros do clero que tenham cometido abusos sexuais; a criação de um grupo internacional de sobreviventes de abuso e profissionais laicos e religiosos, que facilite o diálogo entre a igreja e as vítimas, e a divulgação pública de todos os documentos relacionados ao problema.
Pedem também que líderes da Igreja sejam obrigados a fornecer explicações públicas sobre qualquer caso de abuso sexual e que aqueles que facilitem abusos ou tentem obstruir investigações sejam afastados.
Isolamento
O caso de Teague, ocorrido nos anos 1950, é semelhante ao de milhares de outros relatados por vítimas de abuso sexual cometido na Igreja Católica americana. Os abusos ocorriam na sacristia e se prolongaram por cerca de seis meses, até que o pai de um dos coroinhas denunciou o padre, que foi afastado da paróquia.
"Eu não entendia o que estava acontecendo. Cresci em uma família católica de origem irlandesa em que nunca se falava sobre sexo", disse Teague à BBC Brasil . "Meu pai estava viajando a serviço da Marinha, meu avô havia acabado de morrer, e minha mãe tinha dois bebês pequenos para cuidar", relembra, ao comentar que via o padre como uma figura paterna.
"Ainda hoje, olho para trás e me pergunto se não era apenas uma figura paterna tentando expressar afeto. Mas na verdade o que ele estava fazendo era satisfazer suas próprias necessidades."
Foi apenas na década de 1990 que Teague rompeu o isolamento e tornou público seu segredo. "Na época eu já era padre, fui ordenado em 1980. Eu contei minha história e me dediquei a ajudar outros sobreviventes de abuso sexual", afirma Teague, que diz ser fã do arcebispo brasileiro Dom Hélder Câmara e de sua atuação junto aos necessitados.
"Esse tipo de abuso é uma forma espiritual de incesto. As pessoas confiam no padre. É quase como ser abusado por um membro de sua família."
Escândalos
Estima-se que mais de 6 mil membros do clero na Igreja Católica dos EUA já tenham sido acusados de abuso sexual. Na década de 2000, diversos escândalos vieram à tona e a Igreja foi acusada de acobertar os casos.
Relatos de vítimas publicados pela imprensa revelaram que, em alguns casos, religiosos acusados de abuso acabavam apenas transferidos para outras paróquias ou internados para tratamento. Outros chegaram a deixar o país, evitando processos judiciais.
Desde aquela época, diversas medidas foram tomadas para erradicar o problema. No entanto, novos escândalos continuam a surgir.
Em um dos mais recentes, um padre de Newark, no Estado de Nova Jersey, foi preso por violar a ordem judicial que o proibia de manter contato com menores. Mesmo já tendo sido condenado por agressão sexual, ele continuava a trabalhar com crianças na paróquia em que atuava.
"A Igreja continua protegendo os que cometem abusos", disse à BBC Brasil o padre Thomas Doyle, que há mais de 30 anos tem sido um dos mais vocais membros do clero americano contra abusos na Igreja e também integra os Catholic Whistleblowers.
"Se um padre ou uma freira vier a público denunciar abusos e seu superior não concordar, o delator corre o risco de ser suspenso, de perder benefícios, salário, de nunca mais conseguir atuar em nenhuma paróquia", diz Doyle.
"Sei disso porque aconteceu comigo. No início, perdi meu emprego na Embaixada do Vaticano (em Washington). Ao longo dos anos, me envolvi mais e mais nas denúncias e no apoio às vítimas. Como resultado, sou uma ovelha negra na Igreja Católica. Legalmente, ainda sou padre, mas nenhum bispo vai me deixar trabalhar", relata.
Vítimas
Ao longo de três décadas, Doyle deu depoimentos sobre centenas de casos de abuso sexual na Igreja Católica em tribunais nos EUA e em países como Canadá, Irlanda e Austrália. Ele diz ter entrado em contato com milhares de vítimas.
Um dos objetivos dos Catholic Whistleblowers é dar apoio às vítimas que, muitas vezes, enfrentam dificuldades para levar seus casos adiante. "Algumas dioceses tratam as vítimas muito mal, como se fossem o criminoso", disse à BBC Brasil o padre Kenneth Lasch, que desde os anos 1980 se dedica a ajudar sobreviventes de abuso por parte do clero.
"Acabam sendo vítimas duplamente quando vão à Igreja denunciar seus casos. Muitas vezes têm de testemunhar diante de um conselho, que acaba descartando seus relatos e colocando em dúvida sua credibilidade. São intimidadas pela Igreja", afirma.
Lasch, de 76 anos, diz que as décadas de convivência com as vítimas deixaram marcas. Apesar de não ter sido prejudicado profissionalmente por denunciar casos de abuso, ele sofre de estresse pós-traumático há sete anos.
"Quando eu era mais jovem, conseguia estabelecer limites claros entre as pessoas que precisavam de ajuda e minhas próprias emoções. Mas quando os escândalos começaram a surgir, comecei a absorver muito a dor dos indivíduos. E, ironicamente, também absorvo a vergonha pelos que cometeram esses crimes", afirma.
Gilv@n Vi@n@

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