Divergências sobre aborto, drogas e homofobia travam novo Código Penal
Projeto com 542 artigos partirá agora para discussões em audiências públicas em todo o Brasil; apesar disso, relator acredita que proposta será votada até o final do ano
As polêmicas relacionadas à reforma do Código Penal devem atrasar a tramitação do projeto de Lei 236/2012. Oficialmente, o relator do projeto, senador Pedro Taques (PMDB-MT), acredita que a proposta irá a plenário ainda no final do ano. No entanto, juristas e integrantes do Senado e da Câmara que acompanham a tramitação da matéria avaliam que ela somente irá a plenário para aprovação em 2014.
Quando a comissão especial de juristas começou a elaborar a reforma do Código Penal, em outubro de 2011, a expectativa era que esse trabalho fosse concluído em um ano e meio até se chegar a uma proposta legislativa que contemplasse as principais mudanças. Hoje, praticamente ao final desse prazo, a reforma do Código Penal ainda trava em diversos aspectos. E não há data para que um projeto de lei definitivo seja apresentado.
O novo Código Penal traz 542 artigos, mas já recebeu 500 emendas. Todas precisam ser discutidas. Agora, a proposta passará pelo menos seis meses sendo avaliada em audiências públicas em todo o Brasil. Somente após essas audiências é que será formatado um projeto para ir a plenário. “Teremos muitos debates ainda. E não podemos dizer que existem aspectos consensuais. Mas acredito que até o final do ano, teremos uma proposta aprovada”, afirmou Pedro Taques. “O Código Penal inteiro é polêmico. Direito Penal é polêmico”, disse o relator geral da Comissão de Juristas do projeto de Reforma do Código Penal, o jurista Luiz Carlos dos Santos Gonçalves.
A proposta elaborada pelo grupo de juristas encabeçados por Gonçalves recebeu críticas da própria comunidade jurídica. O ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr., por exemplo, classificou o novo código como um “risco de uma vergonha internacional” pelo seu rigor na punição de crimes ambientais. A nova proposta também não tem consenso quando trata de temas como a legalização (embora parcial) do aborto, a descriminalização do uso privado de drogas ou o estabelecimento do crime de homofobia.
Nem mesmo as propostas que são consideradas como maiores avanços do Novo Código Penal são consensuais entre juristas, Senado e Câmara. A nova legislação pretende punir, com mais vigor, qualquer crime de corrupção. O novo código aglutina os crimes de corrupção passiva, ativa, pune o enriquecimento ilícito (algo que não ocorre no código atual) e atribui responsabilidades à figura da Pessoa Jurídica (PJ), envolvido em qualquer tipo de ilícito. Essas propostas foram pensadas antes mesmo de uma visão mais dura para crimes de corrupção determinada durante o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado.
A proposta ligada à regulamentação do aborto, por exemplo, tem sido alvo de diversos protestos em todo o Brasil. Uma corrente mais conservadora, ligada a grupos religiosos, pedem uma punição mais rígida para mulheres que praticam aborto; a outra, aliada a movimentos sociais, pediu a legalização do aborto. O projeto de lei regulamenta uma posição intermediária: o aborto não se configuraria crime caso fosse realizado até a décima segunda semana de gestação, em caso de impossibilidade de vida do feto após o nascimento, quando a gravidez fosse resultado de estupro ou quando há risco de morte para a mãe.
Nessa semana, o Conselho Federal de Medicina (CFM) encaminhou um documento à comissão especial do Senado que elabora o Novo Código Penal manifestando-se favorável a essa proposta. No entanto, nem mesmo membros que elaboram o Código Penal são a favor dela. O próprio relator, Pedro Taques, é contra a liberação do aborto. E quando se fala da regulamentação do crime de homofobia, que, pelo novo Código Penal, seria análogo ao racismo, também existem resistências de alguns deputados e senadores, principalmente aqueles ligados à bancada evangélica.
Mesmo diante de pontos conflitantes, o jurista Luiz Carlos dos Santos Gonçalves acredita que o novo Código Penal vai trazer avanços para a sociedade brasileira, principalmente no que se refere ao endurecimento de certos crimes como o de corrupção. “O grande norte do projeto é o combate à corrupção. “A grande herança do novo Código Penal é trazer uma lei penal que acompanhe a sociedade brasileira. E a sociedade brasileira é cada vez menos tolerante com a corrupção e com a impunidade”, disse Gonçalves. “O Novo Código Penal dá uma sinalização muito clara de que a impunidade não pode prosseguir”, finalizou.
Entenda as polêmicas do novo Código Penal
- Descriminalização do uso de drogas: o usuário de drogas não é mais punido quando pego com uma quantidade pequena de entorpecentes. Mas a quantidade máxima de drogas por usuário ainda será regulamentado. Hoje, o usuário de drogas não é preso, mas sofre sanções penais como, por exemplo, prestação de serviços à comunidade.
- Legalização parcial do aborto: hoje o aborto é considerado crime contra a vida prevendo punição de um a dez anos, dependendo do consentimento ou não da mulher. O aborto não é considerado crime quando há risco de morte para a mulher, quando a gravidez é resultante de estupro ou se o feto é anencéfalo. No entanto, nas duas primeiras hipóteses, é necessário uma autorização judicial para o ato. Com o novo código, isso não seria necessário e a nova lei ainda abre brechas para o aborto até a 12ª semana de gravidez quando a mãe não tiver preparo psicológico para continuar com a gestação. Mas existe uma corrente que defende a legalização do aborto nesse período sem necessidade de laudos médicos.
- Homofobia: a homofobia seria elevada ao crime de racismo, ou discriminação ligada à procedência regional. Para esse crimes, o Código Penal prevê pena de um a cinco anos de prisão. O Código Penal atual prevê a punição por discriminação racial, mas não por homofobia.
- Progressão de pena: o novo Código Penal amplia o tempo de punição antes de o condenado ter direito à progressão de pena. Hoje, um condenado à prisão por homicídio pode ter progressão de pena para o regime semiaberto após cumprir 1/6 da pena. Com o novo Código Penal, essa progressão será somente após o cumprimento de 1/3 da pena. A medida também vale para condenados a crimes que levem à lesão do patrimônio público. Exemplo: uma pessoa condenada a 30 anos de prisão por um assassinato, pode ganhar o benefício do regime semiaberto após cumprir cinco anos de cadeia. No novo código, essa progressão de regime se dará apenas após dez anos de prisão.
- Crimes de corrupção: o novo Código Penal é mais rígido quanto aos crimes de corrupção. Pela primeira vez existe a tipificação do crime de enriquecimento ilícito, passível de um a cinco anos de prisão. Essa pena pode ser aumentada da metade e até 2/3, se a pessoa condenada por enriquecimento ilícito fizer o uso de “laranjas”. Também o Código Penal não distingue as figuras do corruptor ativo e passivo (algo que existe no atual código) e ainda pune as entidades privadas que participam de ato de corrupção. Hoje, apenas os proprietários ou funcionários respondem por crimes de corrupção, com o novo código, a empresa também pode ser multada ou até fechada. Uma outra inovação do Código Penal é a criminalização de atos de corrupção dentro de entidades privadas. Hoje, somente é considerado corrupção ato envolvendo dinheiro público.
Gilv@n Vi@n@
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