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02 agosto, 2013

Ressentimento não é política social

Para filósofo, obrigar os estudantes de medicina a prestar serviço ao SUS é mera ideologia ou mentira deslavada

O estudante de medicina não terá mais oito anos de estudo, mas, ainda assim terá de servir o SUS. A OAB pensa algo parecido para o direito: o aluno desse curso deveria trabalhar em favela ao menos seis meses. Não nos espantemos se daqui uns dias alguém propuser que o aluno de arquitetura, para conseguir seu diploma, tenha de viver na roça durante um ano prestando assessoria gratuita a todo João-de-Barro que esteja para construir a sua casa.
Algum crítico apressado logo acusaria tudo isso de “populismo”. Ora, ainda que o uso eleitoreiro de medidas de adulação dos “mais humildes” exista, o centro dessas atitudes gravita antes em torno da psicologia do ressentimento do que da política propriamente dita.
Quem as propõe, com maior ou menor ênfase, diz querer mais justiça social, todavia, é difícil não ver nisso o desejo de punir os que “tiveram tempo para estudar”, ou seja, “os ricos” ou, na verdade, os que foram tomados arbitrariamente como privilegiados. Uma terra de prosperidade erguida sobre esse tipo de sentimento não tardará em mostrar-se uma ilha da má fantasia.
A ideia mais atual de justiça não é a de troca de equivalentes e a da sorte natural associada a mérito pelo êxito individual. Nada de “olho por olho e dente por dente” para o crime. Nada de “cada um por si e Deus para todos” para a vida social. No quadro contemporâneo há entre vários intelectuais os que querem aposentar de vez a Lei de Talião e o liberalismo de Locke. Para substituir a primeira oferecem a “prisão modelo” (e não a morte, a masmorra, a tortura ou similares), que é o perdão que Jesus ensinou, mas dentro das possibilidades de uma sociedade que não quer ver o criminoso de volta às ruas muito cedo. Para substituir a segunda propõem o liberalismo de Rawls, que diz que a liberdade que produz a diferença social é bem-vinda à medida que ela, por si só, já contribua para a promoção dos menos afortunados e, assim, melhore o igualitarismo social.
Essas duas substituições são a forma civilizada, intelectualizada e teórica dos que acreditam que dá para passar ao lado da execração do capitalismo (dos marxistas revolucionários) ou da sua simples idolatria moleirona (dos conservadores liberais) pelo que seria uma continuidade da “suavização das relações”, uma promessa interna ao que convencionamos chamar de a modernidade.
Um discípulo rasteiro de Nietzsche diria que as sugestões de Jesus e de Rawls nada são que formas de dourar a pílula do ressentimento. Pessoas seguidoras desses “bonzinhos” nada seriam que os perdedores, os fracotes de sempre. Tiradas as máscaras, o que veríamos seria o rosto horroroso de parasitas e pobretões que nunca quiseram outra coisa que não chicotear estudantes de medicina, direito e arquitetura – os “ricos”.
Prefiro pensar essas coisas separadamente. Jesus e Rawls possuem uma função válida no mundo atual. O que pedem não precisa ser visto como piegas, como uma faceta do chato do “bonzinho”. Suas doutrinas podem bem servir como política para uma sociedade de pessoas altivas. O que advogam talvez deva ser lido antes como a forma melhor de evitar o ressentimento que como uma psicologia transformada oriunda do ressentimento. Todavia, para pensar assim, certamente tenho de retirar desse pacote essa conversa de obrigar estudante a pagar por um suposto pecado original.
Existem impostos para todos. Os pais dos estudantes de medicina, engenharia e arquitetura das universidades federais pagam impostos tanto quanto os pais dos que não puderam ir para a universidade. Fazer os “ricos” pagarem duas vezes, uma em dinheiro e, depois, em serviços, e ainda dizer que isso é bom para eles porque estarão integrados no convívio social e irão aprender a tratar com a população mais pobre é mera ideologia ou, mesmo, mentira deslavada. Às vezes nada é senão propaganda barata de práticas já institucionalizadas faz tempo. Isso cheira, de fato, punição ou, ao menos, elemento catártico para os que as propõem.
As transformações de Jesus e Rawls não são negativas, punitivas, mas alvissareiras, positivas e promotoras. Visam empurrar os “de baixo” para eles irem para cima, mas sem qualquer tentativa de coactar os “de cima” ou lhes dar alfinetadas vindas da mediocridade.
O que se faz no Brasil com essas tentativas de encostar os “ricos” na parede não é algo aproveitável e que tenha a ver com Jesus e Rawls, é algo exclusivamente do ressentimento e só dele. Contra os nietzschianos rasteiros, insisto em dizer que Jesus e Rawls são uma coisa, e a atitude de fustigar os estudantes de cursos universitários “de ricos” bem outra coisa. Separá-las faz bem. Separando-as evitamos envolver rótulos políticos (esquerda e direita) nisso que dizem que é uma política social (e educacional), mas que, efetivamente, não é.
*Paulo Ghiraldelli Jr, 55, filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ
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