PAIS E FILHOS E OS CONFLITOS DA IDENTIDADE PELO CONSUMO
Cristina Hahn, Psicóloga |
Nessa época do ano o consumismo desenfreado fica evidente na compra do material escolar. Como controlar esse consumo?
Os pais precisam impor limites. Dizer não aos filhos e sustentar esse não. A explicação deve ser apenas a verdade: "eu não vou comprar uma mochila nova porque a sua está em perfeita condição de uso, além disso esse dinheiro que eu gastaria com a mochila nova eu poderei investir em outras coisas".
O que acontece é que muitas vezes o pai até explica, mas ele não consegue sustentar esse "não" quando o filho vem com aquele discurso: "Mas todo mundo tem uma mochila nova, só eu que não vou ter". É difícil, mas aí você tem que manter o não. Claro que o pai tem que explicar para o filho a importância de outras coisas, o que significa uma mochila, o que significa o filho poder dizer para o colega "não, eu de fato não precisei comprar uma mochila porque a minha estava boa". Também é preciso que as escolas tenham essa preocupação de inibir esse consumismo. Eu tenho amigos que o custo do material escolar dos filhos, que obviamente estudam em escolas particulares, chegaria a R$ 5 mil. Eu acho isso da ordem do impossível. Eu não concebo isso, não entra na minha cabeça.
Por que cada dia é mais difícil para os pais impor esse limite?
Existe uma real necessidade de compensar o que não se dá em afeto, em coisas materiais. Essa atitude até funciona, temporariamente, mas o vazio se instala rapidamente, e essas crianças e jovens acabam se tornando os que eu atendo aqui: pessoas que têm tudo, e não têm nada. Por outro lado, muitos pais acreditam que se não derem tudo novo - e da moda - os filhos terão que pagar um preço alto na escola, sofrendo bullying, sendo excluído, desprezado. Mas depende de como se coloca isso para o filho. Quando todo mundo tem a mesma coisa, fica todo mundo igual, e ser diferente é muito bom, eu não concebo alguém dizer que a igualdade é o que faz bem.
Qual é a consequência disso para as crianças?
Eu recebo esses jovens aqui e vejo o nível de vazio de muitos deles, eu vejo o caos nos jovens, o nível de descontrole, de desequilíbrio, inclusive emocional, por causa desse “TER”, ter, ter, nada de ser, ser, ser. Resulta em jovens que não sabem falar o que sentem, o que pensam, não têm opinião, mas sabem qual é o Iphone mais moderno. Tem pai que chega aqui no consultório e traz o filho falando: "Doutora, eu estou trazendo meu filho porque eu não sei mais o que fazer, ele tem tudo, tem tudo: não arruma a cama, está com 17 anos o carro dele já está comprado, ele vai para todos os shows que tem vontade, só compra roupa de marca, tem um Iphone, um Ipad, eu não entendo. Com tudo isso ele é infeliz, a senhora compreende?". Eu compreendo. Eu compreendo e digo a esse pai: "O senhor não quer fazer terapia no lugar do seu filho? Porque eu trabalhando a sua cabeça pode ser que tenha alguma repercussão na cabeça dele, porque não adianta eu trabalhar o jovem e ele chegar em casa e se deparar com esse pai". Essa compensação, a questão dos valores, do que é realmente importante, está distorcido para os pais. É claro que é muito bom poder ter, não podemos ser hipócritas, mas desde que isso aconteça dentro de uma escala de prioridades, desde que se saiba o lugar que cada coisa tem na sua vida. Falta a prioridade. Essa é uma preocupação que eu tenho como mãe, como psicóloga, como mulher, como cidadã e como ser humano.
Essa inversão de valores, do ter em detrimento do ser, é de fato uma das causas de buylling nas escolas?
Com certeza. Eu tenho vários pacientes aqui no consultório, gente que sofreu exclusão mesmo e tem traumas por isso. Tenho um paciente que é um rapaz maravilhoso, tem valores firmes, é um rapaz amado, mas sofre até hoje as consequências de ter sido excluído na escola porque não compartilhava do pensamento da maioria, porque não tinha o tênis da moda e não via importância nisso. É difícil até para jovens que tenham muita personalidade lidar com essa exclusão. Esse bullying sofrido na infância ou na adolescência é levado para a vida toda.
Educar não é fácil. Que conselho você daria para os pais de um adolescente?
A grande questão do ser humano hoje é o limite. Tudo hoje peca pela quantidade: muito não, muito sim. Os pais estão cada vez mais perdidos, e os filhos caminham para o mesmo caminho. Alguma coisa está errada aí. Alguns psicólogos acreditavam que não se devia dizer não aos filhos e que a hierarquia paterna não deveria existir, ou seja, acreditavam naquela ideia de que o pai deveria ser o melhor amigo do filho e tratar tudo com ele de igual pra igual. Eu não compartilho deste pensamento, muito pelo contrário. É um equívoco achar que o pai e a mãe têm que ser o melhor amigo do filho, não. Melhor amigo não dá ordem e filho precisa de ordem, de disciplina, de limite. A hierarquia paterna é necessária.
Por que os consultórios psicológicos estão cada vez mais lotados e as pessoas estão cada vez mais infelizes se cada vez mais elas têm?
Porque não é isso que basta, porque falta uma coisa que o dinheiro não compra. Por exemplo, eu estou sentindo falta de um namorado vou lá e compro uma roupa nova, momentaneamente isso satisfaz, mas não sustenta. É igual mingau. Mingau antigamente era dado para os bebês e eles eram todos fofinhos, mas não eram saudáveis. Gordinhos, porém desnutridos. É a mesma coisa: jovens cheios de coisas, porém vazios. Quem tudo tem, sempre vai ter uma falta. Se você tem tudo do material você vai procurar o afeto, quando você não encontra o afeto nas pessoas que deveriam lhe dar isso, que é o pai e a mãe, que são as pessoas que estruturarão esse ser, você vai procurar aonde? Em alguma coisa que lhe libere endorfina, que libere serotonina, vai procurar nas drogas. E é por isso que cada vez mais nós temos jovens de classe alta, que aparentemente têm tudo, usando drogas como o crack, por exemplo.
Fonte: DN
Gilv@n Vi@n@
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